Entre publicações nas redes sociais com treinos extremos, o advento dos medicamentos injetáveis para emagrecer e a preocupação que às vezes beira níveis obsessivos com a alimentação saudável, os anos pós-pandemia de Covid-19 têm evidenciado a cobrança por um corpo malhado e dentro de padrões estéticos rígidos.
O fenômeno faz parte de um cenário global. Segundo Nicole Silbert, líder de marketing do WGSN, empresa de previsão de tendências para a América Latina, o mercado de saúde e bem-estar deve alcançar US$ 12,8 trilhões (R$ 68,61 trilhões) até 2035.
“A pandemia intensificou o desejo por controle, resiliência e autocuidado, e a magreza passou a ser associada à saúde e à disciplina”, afirma. Para ela, o uso de medicamentos para perda de peso e a pressão das redes sociais moldam esse novo ideal corporal, que afeta até quem não recorre a esses recursos.
Nesse cenário, modalidades como o pole dance criaram um nicho próprio com atividades que pregam a inclusão e foco na fluidez dos movimentos.
Dados do Wellhub mostram que a atividade cresceu 29% em 2025 em relação ao ano anterior —e mais de 3.000% desde 2018. O líder da empresa no Brasil, Ricardo Guerra, diz que “as pessoas buscam experiências de bem-estar que unam performance física e expressão pessoal”.
Katya Tomanik, 60, profissional de educação física com especialidade em gerontologia, conheceu a prática há um ano, por intermédio da filha. “Como eu acho que a gente tem que estar sempre fazendo algum aprendizado para fazer novas sinapses, eu escolhi o pole dance para fazer esse desafio para mim.”
“É muito difícil, nosso corpo fica todo roxo, mas eu vejo que a cada dia tem uma evolução”, completa. Katya conta que sua relação do pole dance e autoestima está ligada à superar desafios. “Autoestima melhora porque você sente que conseguiu atingir aquele objetivo”.
Ilana Tzirulnik, 45, consultora de arte, concorda com a colega de turma. “Para mim não é uma autoestima de me sentir bonita”. “Como a Katya falou, é uma coisa mais da força, de ter controle de novo, de errar e tentar de novo e ver melhor na progressão do tempo. É assim, mas eu consigo, eu dou conta”.
Ela também conta que tinha vontade de fazer pole dance desde que a primeira escola abriu.
Para a psicóloga humanista Laila Paes Leme, especializada em acolhimento psicológico, “esse boom fitness ligado a nossa sociedade, que tem sido cada vez mais afetada pelos ideais de beleza. Nós mulheres, sempre tivemos essa cobrança externa, de seguir as capas de revistas, mas atualmente, com as redes sociais, existe uma cobrança ainda maior”.
Laila diz que essas experiências de superação na atividade física são fundamentais para a autoestima. “Quando você se sente forte ou se superando, você se sente melhor, você vê e entende que é capaz, você sente que só precisa de você mesma, se ama mais, se respeita mais”.
O pole dance se popularizou no Brasil nos anos 2000 e foi aumentando ao longo dos anos, explica a professora de pole dance, Eloisa Honorato, proprietária do Córa Estúdio. Ela desistiu da carreira de designer de moda para se especializar na prática.
Ela conheceu a modalidade depois que fez uma aula. “Eu fiquei obcecada na hora. Pensei: como assim? o que é isso? Eu sempre me achei muito forte na academia e decidi fazer uma aula experimental e foi um choque. Eu não conseguia fazer nada”.
“No dia seguinte, fui apertar a garrafa de café no escritório e eu simplesmente não tinha força —meu braço doía tanto que eu falei ‘nossa, isso é muito legal'”. Eloisa achou o ambiente muito aconselhador e empoderador, ao ver que realizar os movimentos era possível para diferentes tipos de corpo.
Ilana conta também que nunca frequentou um ambiente com tantos corpos diferentes. “Eu já fiz de tudo, nunca vi algo tão inclusivo igual a um estúdio de pole dance. E não só os corpos, mas os backgrounds são muito diferentes”.
“É um ambiente que é muito seguro nesse sentido também”, completa. Para a psicóloga Juliana Tomé Garcia, analista de psicoterapia corporal, esse empoderamento coletivo reflete a importância de espaços seguros.
“Muitas mulheres se sentem mais confortáveis para experimentar novas atividades, tirar dúvidas e se desafiar em ambientes exclusivamente femininos, longe de julgamentos ou comparações”.
A união de uma atividade física coletiva pode ajudar na “motivação e compromisso umas com as outras. É muito mais fácil manter a consistência quando há um grupo esperando por você”, complementa Juliana.
“Celebrar conquistas juntas, desde uma melhor performance do movimento como simplesmente comparecer após um dia difícil, fortalece a autoconfiança individual e coletiva”, completa. Essa experiência é relatada por Katya, Ilana e Eloisa.
“Hoje teve a amiga que fez a primeira cambalhota e todo mundo tava junto acompanhando a jornada dela com a cambalhota”, conta Ilana. “É muito lindo ver todo mundo elogiando, batendo palma e tirando a foto dela”.
Eloisa cita também como essa coletividade entra em contraste com a cultura das academias tradicionais.”Essa coisa do coletivo na aula é muito legal, porque você aprende a ajudar a amiga, saber que ela está caindo, saber segurar. E acaba tendo muito contato físico também”, conta,
“Eu não tinha contato físico com ninguém, não era uma pessoa de abraçar. E aqui eu fico de body com o suor delas no meu braço”, diz, rindo.
Na academia, Eloisa conta que, geralmente, não quer interagir com ninguém. “Eu faça porque senão eu me machuco demais fazendo só pole. Meus ombros são muito frouxos. Mas eu odeio estar lá. A academia te oprime, parece”.