Intérpretes reduzem riscos de gestantes imigrantes – 08/10

Um dos grandes desafios enfrentados por imigrantes é a barreira linguística, que dificulta o acesso a serviços essenciais, como a saúde. Em contextos de maior vulnerabilidade, como a gravidez e o parto, o auxílio de intérpretes que falem a língua materna da paciente melhora a sensação de acolhimento e diminui o risco de complicações. É o que mostram relatos colhidos pela Folha e um estudo recente.

Gestantes longe de seus países de origem tendem a procurar atendimento médico em estados mais tardios de gravidez, segundo Luciana Carvalho Fonseca, professora livre-docente do Departamento de Letras Modernas da USP —daí a relevância do papel dos intérpretes. “Quando disponíveis, eles [intérpretes] são o principal elo entre os profissionais de saúde e as grávidas. A importância da tradução é amplamente reconhecida nos serviços de maternidade e nas pesquisas.”

Mesmo para mulheres que dominam o idioma do país para onde migraram, a presença de um intérprete é benéfica, de acordo com a pesquisadora. As pessoas se sentem mais confortáveis falando sua língua materna em momentos de estresse, como o parto.

“A língua é a expressão da nossa subjetividade. Sem que ela seja compreendida, corremos o risco de não sermos reconhecidos como pessoas capazes e plenas. Como é possível a mulher manifestar seu consentimento se a informação não é oferecida em um idioma que ela entenda?”

Fonseca entrevistou mais de 50 brasileiras que tiveram filhos na Alemanha para entender o impacto das barreiras linguísticas na gravidez e no parto. As entrevistas revelaram uma forte correlação entre ser estrangeira e classificar a experiência de cuidado como ruim, ter complicações medicamentosas, não aderir ao tratamento, não acompanhar as consultas, ter hospitalizações mais longas e sofrer mais complicações perinatais.

O apoio linguístico varia conforme o país, segundo a professora. Ela conta que, na Alemanha, a responsabilidade de levar intérpretes para consultas costuma ser dos próprios pacientes.

A Austrália, que tem uma população imigrante proporcional à da Alemanha, oferece um suporte mais avançado. O governo australiano disponibiliza serviços linguísticos telefônicos e presenciais em mais de 150 idiomas, e a área da saúde é o setor mais atendido, explica Fonseca.

A importância dos intérpretes também é defendida pelo médico Murched Omar Taha, coordenador do ambulatório para refugiados da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Quem atende as pacientes precisa ter sensibilidade para identificar as nuances de cada cultura e disponibilizar um cuidado de qualidade com a tradução necessária.”

O projeto, criado em 2023, é gratuito e conta com apoio do Hospital São Paulo em casos cirúrgicos. O ambulatório tem profissionais de ginecologia e obstetrícia e realiza cesarianas pelo SUS e partos normais, sempre com auxílio de intérpretes voluntários. Na maioria das vezes, são médicos que falam outras línguas. O próprio Taha, de origem libanesa, é responsável pelas traduções do árabe.

No mundo, mais de 120 milhões de pessoas estão longe de sua terra natal por deslocamento forçado, segundo o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). O Brasil registrou 68.159 novos pedidos de refúgio em 2024, de acordo com o documento Refúgio em Números, divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A afegã Fatema Tavassili Akbari, 41, refugiou-se no Brasil, onde deu à luz em 2024. Durante o parto, foi auxiliada por uma intérprete. Ela afirma que isso foi essencial na comunicação com a equipe médica, pois não entendia totalmente o português.

“Como o parto foi difícil, foi reconfortante ter alguém para me dar todas as explicações na minha língua nativa. Ela me ajudou a entender melhor o processo do parto e as ordens médicas, o que me fez sentir mais no controle da situação”, conta.

Akbari foi acolhida pelo Instituto Estou Refugiado, que promove a reinserção socioeconômica desse grupo no Brasil. A ONG conta com programas de moradia e parcerias com empresas para facilitar o acesso ao mercado de trabalho, além de oferecer cursos de português.

O projeto foi idealizado pela administradora de empresas e publicitária Luciana Capobianco, que relembra o episódio com Akbari. “Ela viveu em nosso coliving [moradia compartilhada] por quase um ano e meio e, durante esse período, enfrentou a gravidez sem falar português”, diz.

“No dia do parto, outra refugiada recebida por nós, que falava a mesma língua, esteve ao lado dela o tempo todo, garantindo acolhimento, tradução e segurança. Esse momento evidenciou a importância de intérpretes e apoio cultural para mulheres em situações de vulnerabilidade extrema.”

Esta reportagem foi produzida durante o 10º Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde da Folha, patrocinado pelo Laboratório Roche e pelo Einstein Hospital Israelita.

Autoria: FLSP

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