Pela primeira vez, a saúde ocupou um espaço central nas negociações climáticas da ONU e sai da COP30, em Belém, com um plano global de adaptação do setor à crise do clima. Mais do que um marco diplomático, o documento quer ser um guia para sistemas de saúde resilientes. O desafio agora é fazer com que ele saia do papel.
Os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde são mensuráveis e crescentes. Relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que mais de 540 mil pessoas morram por calor extremo todos os anos. Eventos como enchentes, queimadas e ciclones pressionam redes de atendimento e expõem fragilidades da infraestrutura hospitalar.
A OMS calcula que, de 2030 a 2050, a crise climática provocará 250 mil mortes adicionais anuais por desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico, impondo custos de até US$ 4 bilhões por ano aos serviços de saúde.
O plano brasileiro reconhece esse cenário e organiza as ações de fortalecimento da vigilância e do monitoramento, por meio da integração entre dados ambientais e sanitários. Ou seja, sistemas que antecipem riscos como ondas de calor, poluição do ar, mudanças na qualidade da água e expansão de doenças vetoriais, permitindo respostas rápidas.
Outro eixo do plano trata da preparação dos serviços e dos profissionais, incluindo adaptação de rotinas durante períodos de calor extremo, revisão de protocolos clínicos, treinamento de equipes para lidar com emergências climáticas e repensar infraestrutura.
Doenças antes restritas a áreas específicas também se expandem com o aquecimento. O vírus oropouche, antes concentrado na amazônia, já circula por outras regiões. A dengue avança para locais que antes não registravam casos, como Uruguai e Itália.
No Brasil, a explosão de casos em São Paulo nos últimos anos está diretamente associada ao aumento da temperatura, que favorece a proliferação do Aedes aegypti, como lembrou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na COP.
A inovação sustentável da cadeia produtiva da saúde, uma das mais poluentes do mundo, também aparece no plano. A ideia é estimular o desenvolvimento de medicamentos mais estáveis às variações térmicas, rever embalagens plásticas e incentivar o uso de energia renovável em hospitais e indústrias.
Experiências de reúso de água, instalação de painéis solares e redução de resíduos, por exemplo, já começam a aparecer em hospitais públicos e privados, mas ainda de forma isolada.
O ponto crítico do plano agora é o financiamento. Na COP, o documento atraiu declarações de apoio de mais de cem países e recebeu seus primeiros aportes de cerca de US$ 300 milhões anunciados por entidades como a Wellcome Trust e sinalizações positivas do Banco Mundial e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
É um começo relevante, mas insuficiente frente à escala necessária para transformar milhares de unidades de saúde, treinar profissionais e integrar sistemas de informação em todo o país. O Adapta-SUS, versão nacional do plano, prevê que estados e municípios incorporem ações de adaptação climática nos seus orçamentos.
Hoje, essa rubrica não existe, o que dificulta captar recursos ou alocar verbas de emendas parlamentares para infraestrutura resiliente, compra de equipamentos ou formação de equipes. Sem essa integração orçamentária, o risco é que a agenda fique restrita a projetos-piloto.
Outro desafio é que o setor privado, responsável por parte importante da alta complexidade no país, também precisará investir em adaptação. A crise climática não distingue redes. Quando um ciclone destrói uma cidade ou uma onda de calor superlota emergências, todo o sistema é afetado.
Consensos sobre o diagnóstico e sobre o que precisa ser feito já estão bem estabelecidos. Agora falta transformar compromissos em orçamentos, pilotos em políticas nacionais e doações em sistemas sustentáveis para que tudo isso ganhe escala.
Se o próximo passo for consolidar financiamento público-privado de longo prazo, construir governança subnacional e medir resultados com rigor, o plano tem potencial de virar proteção real para populações vulneráveis em um Brasil cada vez mais exposto ao calor, às inundações e às doenças emergentes. Como bem lembrou a epidemiologista Ethel Maciel, enviada especial do Brasil à COP, “o clima mudou, e a saúde precisa mudar junto”.