Em 2019, a especialista de marketing Malany Marinho, 36, começou a perceber que sua saúde mental não estava muito bem. Por isso, ela começou a fazer terapia com uma psicóloga. A profissional era branca e Malany, negra.
Desde o começo, a especialista de marketing teve a impressão de que não houve uma conexão. A psicóloga era muito tradicional e levava tudo para o campo sentimental e romântico, enquanto que o desgaste de Malany era mais relacionado a questões de trabalho. Parecia que a psicóloga não entendia bem o que Malany estava passando. Essa foi uma das razões pelas quais ela decidiu interromper a terapia.
No entanto, desde 2021, a experiência de Malany com a psicologia mudou. Nesse ano, ela começou um novo trabalho que piorou muito seus problemas de saúde mental. Malany viu a necessidade de voltar a terapia depois de desenvolver dermatite e alopécia associadas ao estresse. Ela conversou com uma amiga que havia se formado recentemente em psicologia e fazia parte de um grupo formado somente por psicólogas negras.
Foi a partir dessa iniciativa que Malany conheceu a psicóloga com quem faz acompanhamento até hoje. “Parece que ela me entende mais”, diz Malany ao comparar a profissional atual com a anterior.
A impressão também é a mesma quando a especialista de marketing conta da dinâmica com seu psiquiatra, que é um homem branco. Ao falar da sua psicóloga negra, Malany afirma que se sente mais livre para se abrir. “Eu me sinto muito acolhida. Ela entende minhas dores e me deixa mais confortável.” Já com seu psiquiatra, a conversa pode ser um pouco truncada.
“Eu me senti um pouco meio sem graça e desanimada com as minhas últimas sessões de psiquiatria porque tudo foi apontado como culpa minha”, resume.
Casos como o de Malany não são uma exceção. Lucas Veiga, psicólogo, mestre em psicologia clínica pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e autor do livro “Clínica do Impossível: Linhas de Fuga e de Cura”, estuda o tema e relata casos de pacientes negros que começaram a fazer terapia com ele após experiências com profissionais brancos.
“Desses pacientes negros, eu já escutei que eles tinham a sensação de que não precisavam explicar o que era racismo para mim ou que não precisavam justificar que aquilo que eles tinham vivido tinha sido racismo”, afirma o psicólogo.
Desses pacientes negros, eu já escutei que eles tinham a sensação de que não precisavam explicar o que era racismo para mim ou que não precisavam justificar que aquilo que eles tinham vivido tinha sido racismo
O psicólogo explica que esse pode não ser o caso quando pacientes negros fazem acompanhamento com profissionais brancos, especialmente aqueles sem conhecimento das questões raciais. Em situações assim, um paciente negro pode ter seu relato de uma situação de racismo questionado pelo psicólogo que não compartilha da experiência de sofrer violência racial.
No entanto, Veiga reitera que psicólogos brancos podem fornecer um atendimento adequado para pessoas negras. “Terapia é sobre ter condições de ouvir aquilo que aparece no discurso do outro que pode ser absolutamente diferente de mim e ter condições de criar uma relação empática e uma sintonia com o paciente a ponto de construir caminhos para lidar com aquela questão”, afirma o psicólogo.
A educação é importante para atender de uma forma mais empática pacientes negros na clínica psicológica. Existe uma abordagem específica voltada a considerar as peculiaridades da experiência de pessoas negras nos estudos em torno da saúde mental. Consolidada nos Estados Unidos entre os anos 1960 e 1970, essa disciplina leva o nome de black psychology (ou psicologia negra, em tradução para o português).
Infelizmente, no Brasil, áreas como essas ainda não estão muito presentes nos currículos de formação em psicologia e psicanálise, afirma Veiga. Para Isabelle Pereira, conselheira vice-presidente do CRP-MG (Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais), a falta de debate sobre a questão racial não é restrita à psicologia, mas é comum igualmente em outras ciências.
Pereira também já passou pela experiência de ter pacientes negros a procurando depois de realizarem terapia com profissionais brancos. Na sua prática, ela observa que esses pacientes “podem não se sentir identificados o suficiente [com terapeutas brancos] quando eles precisam tratar de demandas mais relacionadas a questões raciais”.
Em casos assim, não é necessariamente o caso de psicólogos brancos que desmerecem questões raciais de pacientes negros, mas sim uma uma falta identificação que tem relação direta com a ideia de vínculo terapêutico, muito comum no campo da psicologia.
“Se esse vínculo não é forte, ele pode causar muito ruído e atrito no atendimento. Por vezes, isso pode acabar sendo um motivo para algumas pessoas não se sentirem confortáveis em continuar a terapia”, afirma a psicóloga.