A enxaqueca sempre atrapalhou a professora Ingrid Avilez, 43, de praticar exercícios. “Eu fazia e vinha a dor no dia seguinte ou na hora mesmo”, conta ela, que recebeu o diagnóstico da doença há seis anos. Até que ela começou um treino com musculação e atividade aeróbica especial para pessoas com a doença e conseguiu manter uma rotina ativa, além de ter menos dor.
Fazer exercício é essencial para ter sucesso no tratamento da enxaqueca, segundo médicos. Os principais protocolos contra a doença combinam o uso de remédios preventivos e mudanças no estilo de vida, como manter a rotina de atividades físicas e cuidados com a saúde mental e a alimentação.
“Com o tempo, o exercício orientado, feito de maneira sustentada, pode prevenir crises e contribuir para o controle da doença”, explica a neurologista Thais Villa, doutora pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretora-clínica do Headache Center Brasil (SP).
Mas isso nem sempre é fácil, pois a dor frequente diminui a disposição e pode levar ao sedentarismo, que é fator de risco para mais crises. Muitas pessoas também acreditam, de maneira errada, que o movimento dispara o mecanismo da dor. Mas o que ocorre, na verdade, é que a sobrecarga pode ser um gatilho.
Por isso é importante a individualização dos exercícios. Sobretudo para que a pessoa não exceda o limite do esforço, explica o profissional de educação física Arão Belitardo, que convive com a enxaqueca e pesquisou os benefícios de ter uma rotina ativa durante o doutorado na Unifesp. “Estudos mostram que há especificidades do exercício mais benéficas para a enxaqueca”, afirma ele, que também atua como personal trainer especialista na doença.
“O exercício deve ser levado a sério, como um tratamento. O que evita enxaqueca é ter uma rotina regular. O exercício é que nem um remédio: você tem uma dose, quantidade e um tipo para cada doença. Mesmo pessoas com a mesma condição podem não tomar a mesma quantidade de remédio”, diz Belitardo.
Foi só na fase adulta que a dor de cabeça tornou-se insuportável para Ingrid. Depois dos 30 anos, ela somava mais de 20 dias ao mês com dor. “Tomava analgésico como se fosse água”, lembra. A professora é um caso típico de quem convive com os sintomas da enxaqueca desde a infância: os incômodos começaram aos 11 anos. Nessa fase, o óculos para astigmatismo pareceu controlar o desconforto, mas com a puberdade vieram crises mais intensas.
Ingrid procurou um neurologista em 2019, após perceber que o desconforto limitava a sua qualidade de vida. “Voltei de uma viagem com amigas e falei: ‘o que está acontecendo comigo?’. Sempre fui muito baladeira, mas evitei seguir a programação durante os nossos dias juntas para não ficar em lugares barulhentos.”
Veio o diagnóstico oficial de cefaleia crônica diária, quando a dor de cabeça ultrapassa 15 dias ao mês, e de cefaleia por uso excessivo de medicamentos –muito comum em pacientes com alta atividade da doença, devido ao efeito rebote dos analgésicos.
Só na terceira tentativa de tratamento, em 2021, Ingrid entendeu a enxaqueca como uma doença ligada ao estilo de vida. A partir daí, valorizou hábitos saudáveis junto ao uso de um remédio preventivo: intensificou a terapia, melhorou a alimentação, regulou o sono e investiu no plano de exercícios específico para quem tem a condição. Nessa época, os dias de dor caíram de 25 para quatro ao mês.
Segundo Ingrid, o acompanhamento com exercícios ajudou a reduzir a intensidade das dores. “Nem todo dia tenho vontade de fazer. Mas, além da minha enxaqueca, se eu quero chegar a uma velhice saudável preciso de uma atividade física“, afirma a professora, que treina três vezes na semana com a supervisão em vídeo de um personal trainer.
Os benefícios dos exercícios contra a enxaqueca
Estudos já identificaram que os benefícios são sentidos a partir de oito semanas de exercícios, ao menos três vezes na semana. A maioria das pesquisas analisa o potencial das atividades aeróbicas (como correr, andar de bicicleta e dançar) no combate à enxaqueca, observando redução das dores e consequente prevenção das crises. Nos últimos anos, cresceram análises científicas sobre a musculação, que também se mostrou eficaz. Daí a ideia de unir os dois estímulos em uma única sessão de treino.
Durante o exercício, há a formação de substâncias com ação analgésica, liberadas para suprimir a dor quando o organismo sofre um estresse. Também existe a produção de substâncias anti-inflamatórias (um tipo de citocina, uma proteína sinalizadora que age na comunicação entre as células) que combatem a dor muscular (causada por citocinas pró-inflamatórias), comum após o treino, e tem papel promissor contra quadros de dor crônica, como a enxaqueca.
“O exercício gera uma série de substâncias no sistema nervoso e no corpo com ação convergente de reduzir a percepção de dor e efeitos duradouros protetores da dor. Por isso a importância da regularidade”, afirma Arão Belitardo. Vale explicar ainda que a resposta de cada pessoa ao tipo de estímulo físico é única, pois depende do seu perfil biológico —mais um benefício de unir exercícios distintos.
Há ainda efeitos indiretos importantes da atividade física no controle da enxaqueca. É o caso da redução da ansiedade a longo prazo por meio da liberação dos neurotransmissores —químicos cerebrais que regulam o humor. E o ajuste do ciclo sono-vigília, a partir do ajuste da liberação da melatonina. Os dois fatores são relevantes, pois ansiedade e privação de sono estão entre os principais gatilhos para as crises da doença.
Além do cuidado de ter uma rotina de treinos exclusiva para si, é preciso que a pessoa com enxaqueca tenha consciência durante a prática, sabendo que há começo, meio e fim. Fazer o exercício de qualquer jeito não é benéfico e, inclusive, pode causar mais dor e problemas musculares.
O primeiro passo é o aquecimento, que prepara o corpo para o estresse. O treino em si é monitorado pela frequência cardíaca e/ou uma escala de percepção de esforço, para que a pessoa não ultrapasse o limite das atividades. E alongamentos finais ajudam na recuperação dos músculos para o próximo treino.
É recomendável acompanhar as crises de enxaqueca em um diário, orienta o profissional de educação física Ayslan Araújo, do HU-UFS (Hospital Universitário da Universidade Federal do Sergipe), ligado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
Esse monitoramento ajuda a identificar quando a dor aumenta de frequência e/ou intensidade e os seus possíveis gatilhos, como a sobrecarga dos exercícios, por exemplo. “Se a intensidade [da atividade física] virar gatilho, a gente deve recuar, estabilizar na intensidade moderada e avançar depois”, explica o profissional, mestre pela UFS.
“Por isso, personalizar não é luxo, é segurança para o paciente. Devemos começar de forma mais suave, fazendo progressão semanal e monitorando com o diário da cefaleia”, afirma Araújo.