Elas são majestosas e vivem num outro mundo, longe de nossos olhares cotidianos. O cérebro, que chega a ser cinco vezes maior do que o humano, convida a pergunta: quão inteligentes são as baleias? Para uns, responder a esta pergunta é importante para decidir se elas deveriam ser confinadas e exibidas em parques aquáticos como reles peixes, presumivelmente burrinhos, incapazes de representar sua própria existência. Para outros, é uma questão de curiosidade básica e fascinação com seres cujos rabos gigantescos costumam ser a única parte do corpo avistada.
Para mim, era uma questão de compreender os padrões por trás da evolução da diversidade da vida, e de quebra testar uma hipótese: baleias deveriam compartilhar com seus irmãos artiodáctilos (bois, girafas e outros bichos de número par de cascos) a relação entre o tamanho das partes do cérebro e seu número de neurônios. Em particular, descobrir de quantos neurônios é feito o córtex cerebral das baleias, a principal parte do cérebro que contribui para a flexibilidade cognitiva que eu defino como inteligência, permitiria estabelecer o lugar das baleias no ranking com outras espécies, inclusive a humana, sem precisar encontrar testes de inteligência que valham igualmente para todos.
A oportunidade se apresentou com o cérebro de uma baleia-de-minke, uma das menores baleias, coletado por meu colaborador de longa data, Paul Manger. Transformar o cérebro de 2,6 quilos em sopa para contar células foi o trabalho da tese de mestrado, ainda em meu laboratório na UFRJ, da Kamilla Avelino de Souza, que depois fundou a Rede Brasileira de Neurobiodiversidade que ela hoje dirige, financiada pelo Instituto Serrapilheira.
O trabalho da Kamilla, finalmente publicado, mostra que a baleia-de-minke se encaixa exatamente onde esperado para um artiodáctilo genérico com um córtex cerebral de dois quilos. Com o dobro do volume do córtex humano, esta baleia tem ainda assim apenas 3,2 bilhões de neurônios corticais, um quinto dos nossos 16 bilhões. Um número bem menor, mas nem um pouco desprezível: junto com a minke estão babuínos e, pelas minhas estimativas, o Tyrannosaurus rex. A concordância da minke com o esperado para artiodáctilos também permite estimar que, mesmo com oito quilos, o cérebro do cachalote, o maior de todos, não tem muito mais de 5 bilhões de neurônios corticais, comparáveis ao córtex do elefante e logo abaixo do chimpanzé, com 6 a 7 bilhões.
Se o total de neurônios disponíveis no córtex cerebral para cognição flexível serve de indicação de capacidade para inteligência, então as baleias estão entre macacos e chimpanzés: são, digamos, os babuínos do mar –animais comprovadamente capazes de articular planos, complôs e colaborações em prol do que querem.
Curiosamente, há algo sobrando e algo faltando no cérebro da baleia-de-minke. Seu cerebelo é desproporcionalmente grande, ainda que tenha o número de neurônios esperado para seu tamanho, enquanto faltam 2/3 dos neurônios esperados no tronco cerebral. Talvez a causa esteja no corpo peculiar das baleias, longo mas sem membros, que envia ao cerebelo um número enorme de fibras proprioceptivas do seu eixo, mas cuja falta de membros musculosos acaba levando à morte os neurônios que em outros artiodáctilos cuidariam das patas. Somente mais cérebros de baleias dirão.
Referências
Avelino-de-Souza K, Patzke N, Karlsson KA, Manger PR, Herculano-Houzel S (2025). Cellular composition of the brain of a Northern minke whale. J Comp Neurol 533, e70089.
Herculano-Houzel S (2023). Theropod dinosaurs had primate-like numbers of telencephalic neurons. J Comp Neurol 531, 962-974.
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